terça-feira, 15 de março de 2011

Escrever e escrever!

     Resolvi postar, neste blog, alguns textos de minha autoria.São eles contos e crônicas ( a novela que iniciei e não sei se virará um romance, fica comigo no word por enquanto). Além disso, fica sempre aberta a discussão de idéias , envolvendo temas da literatura, conforme o que foi proposto na minha primeira postagem.
     Não é fácil abrir-me assim... Demorei. A necessidade de escrever  grita em mim. Num contar inventado, verossímil, e, as vezes, autobiográfico, e, no desejo de me sentir viva, reinvento a mim mesma.
    
 

DESFORRA (Conto)



                                                  
                                                         DESFORRA

                    Aproximaram-se, a esposa e a Inês. Uma de cada lado do caixão. Nele repousava Décio Martins, pequeno comerciante e pai de dois filhos, após
 ter sofrido um enfarte fulminante com apenas cinquenta anos.    
                    Poucas flores e somente duas velas, uma em cada pedestal de madeira, na cabeceira do morto. A luz fraca tremulava, prenunciando agonia. A viúva não conhecia aquela bela jovem que, desde a sua chegada, atraíra todos os olhares. O que estaria ela fazendo ali, envolta numa aura escura, densa, revelando um pesar que não fazia sentido? Por que velava um homem que não era o seu?
                    - Como foi que o Décio morreu tão de repente?- perguntou a Inês, interrompendo seus pensamentos.
                    A esposa calou-se, a outra não merecia resposta. Já era o bastante a angústia do não saber, as dúvidas para serem esclarecidas, o medo do que descobriria... E, ainda, com que intimidade ela lhe fazia essa pergunta? Pressentiu, então, a sujeira toda. Lembrou-se de ter lido, meses atrás, no caderno de notas do armazém do marido, um lembrete em vermelho. Era um pedido de entrega de algumas mercadorias para uma mulher, contendo seu no-
me e endereço. Estranhou que ali estavam sublinhados o telefone dela, o dia e
a hora.
                    Teve a confirmação. Tinha sido marcado um encontro entre eles. Seria o primeiro ou já haviam se encontrado outras vezes? Por que Décio faria a entrega e não um empregado seu? Seus ossos se crisparam e a tez enrijeceu. Era ela: Inês, a puta!
                    A viúva afastou-se do caixão para ninguém perceber o que sentia. Uma vontade louca de gritar e bater no morto e na vadia. Algo se insinuava no escuro de seu ser, aos poucos ia tomando forma.
                    Inês, como já havia bem marcado a sua presença, beijou a face do amante e foi embora.
                    O velório e o enterro transcorreram normalmente, a não ser pelos comentários sarcásticos, porém velados, de alguns dos presentes. À mulher traída nada mais importava. Queria chegar logo em casa e dormir.

                    O dia seguinte acordou sob um céu que parecia desabar. A viúva tomou seu café da manhã. Durante a tarde repetiu, mecanicamente, as tarefas de sempre.  A noite caiu. Botou as crianças na cama, agasalhando-as bem. Em seguida, subiu ao seu quarto. Vestiu uma calça de lã escura, uma japona azul-marinho e uma bota de salto baixo. Desceu à cozinha e demorou-se ali. Saiu de casa, levando uma garrafa de vinho tinto chileno que o marido escondera para tomar em ocasião especial.
                    Na rua, caminhava a passos largos. O vento e o frio intenso da noite cortavam a sua pele, mas ela suava. Ruminava exasperada tantas coisas... Ela, a esposa afetuosa e mãe dedicada, só recebera do marido migalhas de carinho e atenção, uns presentinhos ordinários ( ele sempre dizia que precisava economizar pra não faltar nada em casa pros meninos ), um sexo sem graça, morno, rápido, sem tesão. Parecia que queria se livrar logo daquela obrigação conjugal. Várias lágrimas rolaram pelo seu rosto. Agora lhe escorria um suor frio.
                     E, à amante? Dispensava cuidados especiais? Mimos, perfumes, adornos e até vestidos, quem sabe? Demorava-se nas carícias, beijos ardentes, as mãos firmes e carinhosas deslizando pelo corpo da cadela, num sexo cheio de orgasmo?
                     Apressou ainda mais o passo. Quase corria, ouvindo a voz do vento assobiar uma canção triste. Chegou ao destino, tinha o endereço da ordinária. Bateu à porta.
                     - A senhora, Dona Luísa?
                     - Sabes o meu nome. Como?
                     - No funeral do seu marido, eu ouvi...
                     - Décio falava em mim quando estava com você?
                     Fez-se um silêncio constrangedor. As duas olharam-se como dois galos num rinhadeiro. Feridas estavam pela perda do seu homem, porém decididas a levar adiante a conversa.
                     - Trouxe um vinho chileno de boa safra para bebermos o morto.  Acompanha-me, Inês?
                     - Vou buscar as taças.
                     
Oficina de Criação Literária Charles Kiefer
Curso: Quatro Encontros Sobre o Conto
Data: 07/02/2011
Autora: Beatriz Lago Rolim

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ESCREVER: uma arte, uma catarse e uma necessidade!

"Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias."   Clarice Lispector

" Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada."   Clarice Lispector

"Não há nada mais fácil do que escrever de tal maneira que ninguém entenda; em compensação, nada mais difícil do que expressar pensamentos significativos de modo que todos os compreendam. O ininteligível é parente do insensato e, sem dúvida, é infinitamente mais provável que ele esconda uma mistificação do que uma intuição profunda. [...] a simplicidade sempre foi uma marca não só da verdade, mas também do gênio." A Arte de Escrever- Arthur Schopenhauer


"... se lemos algo com dificuldade, o autor fracassou."  Jorge Luis Borges

" Talvez não seja possível ensinar a escrever; mas é plenamente possível ensinar a aprender a escrever. Um escritor- ou um aluno que não é um eterno aprendiz- é um escritor ou um aluno que não se contenta em ser simulacro de si mesmo."  Para ser escritor-  Charles Kiefer-

" Reencontro  a simplicidade profunda, cristalina, de que só são capazes aqueles escritores que não se deixam turvar pelos modismos e pelo desejo de parecer o que não são. O ensaio em que Albert Camus homenageia seu professor e mestre, Jean Grenier, é comovente. A descoberta da arte como um novo nascimento. " Uma frase se destaca do livro aberto,uma palavra ressoa ainda no cômodo, e de repente, em torno da palavra certa, da nota exata, as contradições se ordenam, a desordem deixa de existir. Ao mesmo tempo e já, como resposta a esta linguagem perfeita, um canto tímido, mais inábil, eleva-se na escuridão do ser."
   Por um instante, sinto-me feliz, responsável, artista. Em algum lugar, um jovem lerá este texto e sentirá dentro de si uma angústia, um sufoco,um ritmo, uma melodia. E um desejo insuperável de expressão. Na escuridão de seu ser, mais uma vez, o fogo sagrado elevará sua chama."  Para ser escritor - Charles Kiefer

 Criei este blog  para possibilitar um debate amplo sobre a arte de escrever e o que é preciso para ser um bom escritor.  Certamente, ninguém nasce escritor, mas torna-se um escritor, juntando toda a sua bagagem de vida que inclui leituras e experiências diversas que o enriquecem através da dor, do sofrimento e também das vivências positivas.
 Quando iniciei a faculdade de Letras, no Campus da UFRGS, há 34 anos atrás, atrevi-me a entregar um original com poemas que tinha escrito ao famoso professor de Literatura sul-riograndense, Guilhermino César,  para ele avaliar; enfim, dar sua opinião.Ele levou o manuscrito para lê-lo em casa. Na aula seguinte , disse-me em tom grave, porém de forma carinhosa:
"- Você deve primeiro sofrer bastante e ler muito, sem esquecer de refletir acerca do que leu. Só bem mais tarde, volte a escrever."  E saiu de mansinho, garboso, de terno escuro e carregando a sua pasta de couro marrom.

Gostaria muito que vocês comentassem os textos acima! Alguém se habilita?
    BR